Quando você é quem cuida, Quem cuida de você?
Você médico que está lendo isso: alguém te perguntou como está seu dia hoje? Você perguntou para seu colega se ele está bem ou se precisa de ajuda?
Quem se preocupa com a sua saúde física e mental? Desde o momento que nos formamos, começamos uma caçada desenfreada por aquilo que nos fará bem-sucedidos na vida. Um plantão a mais para pagar a viagem, um terceiro emprego para a prestação da casa nova, nunca estamos satisfeitos e vivemos no piloto automático, com uma inquietude que perturba quem não é da área. E quem está cuidando de nós nesse percurso?
Somos humanos, porém vistos como máquinas: uma falha nossa é capaz de anular uma vida de acertos. E só seremos capazes de cuidar realmente do próximo se estivermos bem por inteiro. A manutenção do nosso bem-estar deve ser prioridade. Quantas vezes você já foi trabalhar doente com a impressão de estar pior que os próprios pacientes atendidos? Vemos essa prática todo dia.
Ouvi dias atrás num grupo de médicos, sobre o caso de um colega de mais idade que parecia atordoado no plantão: desatento, agitado, olhar distante, rabiscando um papel de forma desconexa. Enquanto isso, os pacientes reclamavam da demora no atendimento. Uma outra colega teve um olhar diferente e notou: o senhor estava sudorético, hipotenso e taquicárdico, com uma ferida de aspecto infectado e malcuidada no braço. Estava séptico e o próprio nem tinha se dado conta! Será que ele tentou passar o plantão e nenhum colega se dispôs a ajudar? Ou será que ele nem percebeu o quão mal estava?
Lidamos diariamente com a linha tênue entre vida e morte, sendo cobrados por respostas e resultados que muitas vezes fogem da nossa capacidade de mudar o prognóstico da situação. Junte a isso a nossa própria cobrança, que considero a maior de todas. Ansiedade, depressão, distúrbios do sono são extremamente comuns no nosso meio e quase sempre subdiagnosticados e não tratados adequadamente. Assim chegamos à alta taxa de suicídio entre médicos, que já é considerada bem acima se comparada as outras profissões.
São pequenas mudanças que, feitas a cada dia, tornam mais leve nossa caminhada. Buscar uma forma de escapar da rotina, seja praticando seu esporte preferido ou com algum hobby não relacionado com área. Levar a alimentação da forma mais saudável possível, mantendo um peso adequado e mantendo assim a autonomia. Ter momentos de lazer em família, com amigos, e de preferência ter conversas leves sobre outros assuntos que não a rotina do hospital. Conseguir se programar financeiramente é essencial para prover coisas que o dinheiro compra, como viagens. Mas por experiência própria eu afirmo: quanto mais se ganha, mais se gasta! Salvo algumas exceções, será que temos mesmo que trabalhar tanto assim?
Olhe no olho do seu colega, perceba seu meio, as nuances, os comportamentos. Ofereça ajuda, ofereça-se para ouvir, seja presente e útil na vida do outro. Olhe para você, perceba quando está no seu limite e não sinta constrangimento em assumir suas fraquezas. Se dê um tempo quando for preciso. Fizemos um juramento de praticar medicina de forma honesta e humana, para estarmos ali por alguém, precisamos antes de tudo, estarmos inteiros, corpo e alma em harmonia, deixando de negligenciar nossa própria saúde.
Ansiedade, depressão, distúrbios do sono são extremamente comuns no nosso meio e quase sempre subdiagnosticados e não tratados adequadamente.