Art. 339 do Código Penal: Um novo mecanismo de proteção
Não é novidade para ninguém que a comunidade médica brasileira vem enfrentando uma onda crescente de processos, muitos deles completamente infundados e alicerçados em acusações mentirosas. Ainda que o profissional obtenha um resultado favorável ao final da demanda, restará a ele, além do enorme desgaste emocional, os custos de ter contratado um advogado para provar sua inocência. Isso sem falar, é claro, nos prejuízos causados à própria reputação ao longo dessa dinâmica.
Pois bem. Em dezembro de 2020, o art. 339 do Código Penal Brasileiro, que já tipificava o crime de “denunciação caluniosa” (também conhecida como calúnia qualificada) sofreu interessantes modificações. De acordo com a nova redação, constitui crime, punível com reclusão, de dois a oito anos e multa, “dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente”.
No antigo texto, incorria no delito somente aquele que imputava a alguém sabidamente inocente ato que correspondesse a crime, somente. Após a modificação – e trazendo um exemplo que nos interessa –, poderá responder por denunciação caluniosa o paciente que, de má-fé, aponta falsamente o médico como autor de um crime ou mesmo de uma infração ético-disciplinar (atenção), acarretando a instauração de inquérito policial, processo judicial, processo administrativo disciplinar (Conselho Regional de Medicina – atenção a este ponto também), inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.
Para a configuração do delito de denunciação caluniosa, não é necessário aguardar que o médico seja julgado em âmbito judicial ou disciplinar pelo ato falsamente imputado, bastando que um dos procedimentos listados no parágrafo anterior seja instaurado. Contudo, é imprescindível que o denunciante saiba da inocência do denunciado (casos, infelizmente, que não são raros no cotidiano da medicina). Preenchidos tais requisitos, o médico poderá buscar providências junto às autoridades policiais para investigação do fato.
A inovação legislativa deve ser encarada como uma vitória ao bom médico, que pode usar estrategicamente o dispositivo para não deixar impune aquele paciente que, muitas vezes movido por motivos escusos ou expectativas financeiras, cria narrativas falsas a respeito de quem tomou como missão única salvar vidas e abrandar o sofrimento alheio. Mais que nunca, apostar nas famosas aventuras jurídicas pode não ser um bom negócio.