“Doutor, tenho problema de cartilagem!”
Essa é uma frase comum nos consultórios, portanto vamos esclarecer um pouco sobre o que é a cartilagem, os tipos de lesão e opções de tratamento.
A cartilagem está presente por todo corpo, como nas articulações, na pele, orelhas, nariz, etc., mas aqui vamos falar apenas da cartilagem que encontramos nas articulações, que recebe o nome de hialina.
Cerca de 65-80% da cartilagem é água, embora isso diminua em pessoas mais velhas, e o resto é uma substância semelhante a um gel chamada “matriz” que lhe dá forma e função. A cartilagem hialina é um tecido resistente que recobre todas as articulações, não permitindo que um osso “raspe” no outro, além de absorver impacto, lubrificação, entre outras funções. Costumo dizer que a cartilagem é um tecido sagrado e que deve ser cuidado com muito carinho. Diferente de tecidos como a pele e o osso, quando perdemos a cartilagem, ela não se refaz. Isso já era um conceito sabido desde os tempos primórdios da medicina, com a frase de Hipócrates (460 a 370 A.C.) “Cartilagem ulcerada é um sério problema, uma vez destruída não se regenera”.
De maneira geral, dividimos as alterações da cartilagem em doenças degenerativas e defeitos osteocondrais. As degenerativas são as artroses, causadas pelo desgaste da articulação, assim como os pneus de um carro: quanto mais usamos, mais eles gastam. Geralmente acometem pacientes mais velhos, com uma articulação mais “gasta”, de forma generalizada (Figura 1). Os defeitos osteocondrais são lesões mais localizadas, como se fossem úlceras, mas a articulação de modo geral se mantém preservada, com uma grande quantidade de cartilagem saudável (Figura 2). Essas lesões são encontradas nos pacientes mais jovens, atletas, e em associação com lesões ligamentares e/ou dos meniscos. São afecções distintas, que acometem perfis distintos de pacientes e, consequentemente, têm sua abordagem de tratamento diferente. Vejo frequentemente no consultório uma certa confusão nos pacientes entre essas duas doenças; o que é compreensível pois, apesar de serem entidades diferentes, podem apresentar sintomas parecidos, como dor, inchaço e incapacidade física.
Existe tratamento de cartilagem sem cirurgia? A resposta curta é sim - é possível que você seja tratado sem cirurgia. No entanto, a opção pelo tratamento não cirúrgico será baseada na natureza da lesão, perfil do paciente e intensidade dos sintomas. Mas podemos adiantar que casos de lesão osteocondral, em pacientes jovens, geralmente têm indicação cirúrgica, enquanto nos casos degenerativos, como nas artroses, o tratamento inicial é conservador, sem cirurgia.
Há uma variedade de intervenções não-cirúrgicas que podem ser usadas, tais como modificações no estilo de vida (perda de peso e ausência de atividades de alto impacto), fisioterapia, medicações, infiltrações (viscosuplementação), e plasma rico em plaquetas (PRP), para citar algumas das opções. Esse último, o PRP, infelizmente ainda não tem seu uso clínico autorizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), não podendo atualmente ser utilizado em clínicas e consultórios. No Brasil, atualmente, seu uso é considerado experimental e científico. Enquanto no exterior temos observado resultados animadores com o uso do PRP, aqui nos resta torcer para um breve avanço na sua regulamentação. Existe, da mesma forma, um leque grande de opções cirúrgicas de tratamento, como a artroscopia, osteotomias, microfraturas, mosaicoplastia, membrana de condrócitos, transplantes osteocondrais e as próteses. Uma consulta com seu ortopedista de confiança é fundamental para identificar a natureza exata da sua patologia e formulação de uma estratégia de tratamento individualizada para sua condição. Como dizemos na medicina: cada caso é um caso!
Tratamentos populares para cartilagem, que são vendidos como uma promessa para “criar mais cartilagem” fazem sucesso. “Medicações” à base de semente de sucupira, unha de gato, semente de abacate, garra-do-diabo, cartilagem de tubarão, cogumelo do sol, gelatina de peixe, canela de velho, entre outros, não fabricam cartilagem, podem colocar em risco sua saúde, além de pesarem no bolso. Até a injeção de ozônio no joelho e a terapia para aplicação de ondas de choque têm sido indicadas por “especialistas”, mas também não têm suas eficácias cientificamente comprovadas. Cuidado com os “milagres” que são oferecidos por aí!
Enfim, estejam certos de que a medicina nunca para. Como as fronteiras da velhice foram ampliadas pela medicina e pelos bons hábitos, o campo do reparo da cartilagem está em constante crescimento. Novas técnicas e conceitos estão sendo desenvolvidos, não só para tratar a cartilagem articular danificada ou doente, mas também para encontrar formas de regeneração para a cartilagem normal que proporcionarão melhorias duradouras e permitirão que os pacientes retornem a um estilo de vida totalmente ativo.