Muita coisa é dita sobre as medicações psiquiátricas: que elas são “pílulas da felicidade”, que elas “te deixam dependente”, que elas “fazem mal”, que elas “não resolvem nada”, que elas “são uma enganação por parte dos médicos e da indústria farmacêutica”. Se todas essas coisas fossem verdade, o uso delas seria antiético, quase criminoso. Então por quê insistimos no uso delas?
Antes de mais nada, lembremos de uma coisa básica: remédio remedia algo. E remédios são usados para tratar doenças propriamente ditas, ou para aliviar sintomas graves o suficiente para causar prejuízo significativo na vida de alguém. Se uma dor de cabeça é forte o suficiente para te impedir de fazer suas coisas habituais, ela deve ser aliviada. Se um câncer aparece, é bom correr para tratá-lo e resolvê-lo. Com os sintomas e doenças psiquiátricas devemos pensar da mesma forma.
Mas alguns dizem que as doenças da mente não são doenças de verdade. Nada pode ser mais falso. As doenças psiquiátricas são reconhecidas por apresentarem conjuntos constantes de sintomas com consequências mensuráveis ao indivíduo, tal como ocorre com as doenças do corpo. E ainda que se argumente que as causas físicas das doenças do corpo sejam muito mais detectáveis do que as das doenças da mente, os avanços nas pesquisas sobre as causas cerebrais das doenças mentais e os efeitos destrutivos delas sobre os neurônios já nos dão razões sólidas para afirmar que as doenças mentais são resultado de um funcionamento cerebral alterado, e passível de correção por medicações.
Os resultados comparativos entre os pacientes tratados com medicações e os que não as recebem comprovam que as medicações psiquiátricas funcionam. Segundo o National Institute of Mental Health, (Instituto Nacional de Saúde Mental, dos EUA), pacientes que recebem tratamento medicamentoso para depressão invariavelmente melhoram em dois meses do que pacientes que nunca tomaram antidepressivos melhoram durante toda a vida. Mesmo na depressão da infância isto é verdadeiro.
Segundo estudos sobre depressão em adolescentes, 60% dos que tomam antidepressivo obtém resolução da depressão, contra 34% dos que tomaram placebo e 43% dos que só fizeram terapia psicológica adequada. O índice de resolução só é maior naqueles pacientes que combinaram antidepressivo e psicoterapia (71%). Pacientes bipolares que usam estabilizadores de humor (em particular derivados de Lítio) tem menor mortalidade, com risco de suicídio até sete vezes menor.
Infelizmente não há boa medicação perfeitamente livre de efeitos colaterais.
Com as medicações psiquiátricas isto não é diferente. O alvo delas, em sua maioria, são substâncias químicas presentes no cérebro, mas também presentes em outras partes do corpo. Por isso os efeitos colaterais são comuns. Estes geralmente melhoram com o tempo de tratamento, mas, mesmo quando não melhoram, felizmente já há opções disponíveis que podem permitir o manejo desses efeitos colaterais ou até pode-se fazer a substituição para outra medicação que tenha um perfil mais favorável a cada paciente. A escolha da medicação é individual e nem sempre o que funciona bem em um paciente funciona em outro.
Dito isto, vamos ao último dos mitos: medicação psiquiátrica te deixa dependente dela? O uso ERRADO de algumas medicações psiquiátricas pode sim deixar o paciente dependente. De forma bastante simplificada, dizemos que na psiquiatria usamos, em geral, seis classes de medicações: antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores de humor, ansiolíticos, sedativos ou hipnóticos e estimulantes. Dentre estas, os estimulantes, alguns sedativos e alguns ansiolíticos podem causar dependência. Estes geralmente têm a famosa “tarja preta” na caixinha.
Nenhuma medicação psiquiátrica deve ser usada sem o acompanhamento de um psiquiatra, porém nestes casos o uso deve ser ainda mais supervisionado. As medicações das outras classes não têm potencial causador de dependência, porém isso não quer dizer que possam ser usadas de qualquer forma. Os antidepressivos precisam ser mantidos por tempo suficiente para seu funcionamento e para que possam prevenir o retorno de quadros depressivos no futuro (por isso não devem ser retirados sem supervisão e a qualquer momento). Já, quando usados no tratamento de esquizofrenia(antipsicóticos) e transtorno bipolar (estabilizadores de humor), as medicações precisam ser mantidas por estarem tratando doenças crônicas, cujos sintomas voltam (geralmente dentro de um ano) se as medicações forem interrompidas (da mesma forma que a pressão arterial de um hipertenso volta a subir sem o remédio, ou o açúcar no sangue de um diabético se descontrola sem tratamento).
Se, um dia, você precisar de uma medicação psiquiátrica, não tenha medo, e principalmente, não deixe de usá-la corretamente. Os benefícios que elas trazem são muito superiores aos riscos que elas têm. E o uso delas sob supervisão psiquiátrica pode melhorar, e até salvar a sua vida.
